Hoje eu recuperei uma bota, preta e com salto agulha pela qual tenho daqueles apegos que me acometem quando gosto de alguma coisa que me acompanhou em momentos bonitos da vida, eu sei que a prática do desapego me faria muito bem e tenho exercitado, algumas vezes ainda é inevitável. Mas hoje, foi grandiosamente válido ir atrás daquela bota, que já me acompanha a mais de uma década. E foi das mãos de um senhor que tem mais de setenta anos e com o qual eu conversaria uns três dias inteiros sem nunca ter visto na vida. Pessoa agradável de olhar doce e transbordando de simplicidade e contentamento. Em poucos minutos me contou todos os procedimentos e olhava para a bota como se fosse uma obra de arte. Era possível perceber que verdadeiramente estava apaixonado por mais aquele trabalho. O lugar é simples e muito arrumado, todos os pares de calçados em fila arrumados e quando buscou seu caderno de anotações me deixou impressionada, era um caderno pequeno destes brochura com o mês do ano escrito na capa, o número dela era 600, que representava quantos calçados foram consertados neste ano até o mês, tinha o nome e foi ali que ele registrou um ok, no mês de julho. Homem organizado e com registro que tem letra desenhada e sabe exatamente onde buscar informações sobre cada um dos seu rebentos.
Ser sapateiro é profissão de gente que cuida, que arruma, que recupera, que como este nasceu no século passado, quando preservar era valor.
Me disse que percebia que era um calçado bem cuidado e que nele eu devia aplicar uma pomada de vez em quando para conservá-lo . A sola ficou novinha e andará comigo por muitos outros caminhos, eu seguirei lembrando que eles foram consertados e que as pessoas consertam muitos e muitos sapatos em épocas de se descartar e jogar tudo fora e também vou levar comigo o sorriso das palavras que me disseram: Eu sou aposentado senhora, a quinze anos e continuo aqui trabalhando, cuidando dos sapatos, porque eu gosto MUITO do que eu faço.
Ah! Eu admiro tanto e me arrepio com gente assim!