20 dezembro 2010

É tão bom ser pequenino...

Recordo o cheiro dos lençóis lavados, a guerra para lavar os dentes, histórias contadas antes de adormecer. O desejo de chegar a casa, o aconchego e, depois, outra vez a vontade de sair.

Corria para a minha mãe quando caía e me magoava. Não para o meu pai, porque seria preciso dar muitas explicações e ouvir de novo o racional "Eu já te tinha avisado...".

Um prato especial nos dias de festa. Birras. É preciso vestir aquela roupa nova. É a tua vez de lavar a louça.

Não sei muito bem a partir de que idade é que os irmãos deixam de ser irritantes...

Depois do jantar fazíamos jogos e entretínhamo-nos uns com os outros. Por vezes, quando era Verão, saíamos a passear e apanhávamos pirilampos.

A chuva lá fora, o calor dentro de casa. Um livro. Um amigo que vem lanchar. Um ralhete porque desta vez passámos dos limites e as calças vêm cheias de lama. Já te disse tantas vezes que não se deve deixar aí a roupa suja...

Acordar com um beijo. Adormecer com uma oração.

Natal. Os primos. Visitas a casa dos avós. Brincadeiras. Às vezes notar, sem notar, uma expressão semelhante a tristeza ou cansaço no rosto do pai ou no rosto da mãe. Depois, brincadeira de novo. Música, flores, sorrisos. É tão bom ser pequenino...

Coisas pequenas. Diárias. Vulgares. Mas enormes, únicas, cheias de magia.

Durante muito tempo estive convencido de que era a infância que acendia nas pequenas coisas de todos os dias essa música e esse encanto que agora recordo. Que era por ser pequeno na altura que todas essas coisas são agora especiais. Mas há tantas pessoas que foram também pequenas e nunca poderão ter recordações destas... E não porque não tivessem tido pais, ou porque estes os tivessem maltratado ou porque tivessem sido demasiado pobres.

Geralmente não é muito difícil casar, ter filhos, uma casa para viver. Mas depois de se conseguir isso podemos chegar à conclusão de que é muitíssimo difícil construir uma família. É talvez como ter já os tijolos e, no entanto, sentirmo-nos incapazes de encontrar o cimento que os una, lhes dê forma, consistência e identidade.

É fundamental ter uma infância feliz... E começámos então a dar aos filhos coisas excelentes e actividades fantásticas e experiências divertidas. E enchemos de trabalho os dias, para lhes podermos dar tudo isso. Saímos, portanto, de casa. E a casa esvaziou-se.

E deixámos de viver com os filhos. As coisas fantásticas que lhes demos acabaram por ocupar quase todo o tempo em que deveríamos ter estado com eles.

É muito fácil errar o caminho.

Ao crescer, descobri que para se ter os lençóis lavados e passados a ferro é preciso frequentemente deitar-se mais tarde e dormir menos.

Aprendi que é preciso ter paciência para fazer uma criança ganhar o hábito de lavar os dentes ou deixar a roupa suja no local correcto. E que a paciência dói.

Reparei em que as pessoas mais velhas gostam de sossego depois do jantar, porque se cansam facilmente. E que, por isso, tem um alto preço fazer nessa altura jogos com crianças ou correr atrás de pirilampos.

Vim assim a saber que o cimento da família é aquilo que se faz pelos outros, deixando de fazer aquilo de que se gosta, para os ver felizes, para os construir, para os ajudar a chegar a onde devem chegar. Aquelas pequenas coisas da minha infância foram grandes, afinal, porque eram feitas de um amor sacrificado e escondido. Esse amor toca naquilo que é pequeno e engrandece-o. Desenha flores no pó do quotidiano. Só ele permanece.

(Paulo Geraldo)

3 comentários:

Adao Braga disse...

Nós só entendemos nossos pais, quando nossos filhos fazem a nós, o que nós fizemos a nossos pais

Adao Braga disse...

Passei para dizer que 2011 já começou, mas, sei que sua vida vai continuar. Que a virada de um ano para outro, não acontece mágica nenhuma, mas, sei que pode-se mudar de atitude, mudar os rumos, tomar decisões diferentes a partir de um determinado momento. Então faça isto sempre, todos os dias.

Simplesmente Outono disse...

Desejo um 2011 repleto de realizações, amores, conquistas e muito sonhos. O que de melhor existir é o que te desejo sinceramente todos os dias do ano.
Beijos e folhas,
Simplesmente Outono.

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